Alianne Barbieri

A Substância – recuperar o irrecuperável

O filme A Substância (2025), de Coralie Fargeat, é uma obra que, com sua estética visceral e tensa, mergulha na complexidade da sobrevivência da mulher moderna. Ele aborda questões como a aversão e o medo em relação ao envelhecimento, o etarismo e as pressões sociais que as mulheres enfrentam em um mundo que as vê como descartáveis à medida que envelhecem. A história de Elisabeth Sparkle, interpretada por Demi Moore, ilustra de maneira impactante a luta de uma mulher contra a transitoriedade da juventude e a busca desesperada por recuperar o irrecuperável: a juventude e o corpo perfeito.


Elisabeth, uma ex-estrela de Hollywood, é rejeitada pelo sistema em que sempre foi admirada. Ao completar 50 anos, ela é demitida pelo produtor Harvey ao ser considerada “velha”. Ela se descobre velha através do olhar do outro. Seu rosto que outrora era destacado no outdoor, é rasgado e literalmente cai ao chão, ao ver a cena, ela se distrai e precisa passar pelo pronto socorro de um hospital. É neste evento que ela tem contato pela primeira vez com a promessa da “substância”. Mas, o que é que os outros veem nela? O que ela vê em si mesma? O que ela vê sobre si mesma através do outro? Um resíduo de vida de uma mulher que já não serve mais para o espetáculo?


O que sobra de nós é apenas o que está fisicamente deteriorado? O filme questiona essa ideia, apontando o etarismo e a maneira como as mulheres são tratadas como descartáveis, especialmente quando a juventude e a beleza se vão. Elisabeth, em sua luta para manter sua relevância, encontra uma solução radical: a substância, um fluído capaz de reverter os efeitos do tempo, mas que, na verdade, a obriga a viver uma dualidade insustentável entre sua versão jovem, Sue, e sua versão envelhecida, que permanece uma sombra de si mesma.


Ao mesmo tempo, A Substância levanta uma reflexão profunda sobre o autocuidado e a alienação. A personagem, ao buscar uma versão jovem de si mesma, acaba distanciando-se de sua realidade presente, numa tentativa de escapar da inevitabilidade do envelhecimento. E, ainda, nessa alternância semanal de existências, se depara com um isolamento e solidão. Observa que sua versão jovem segue trabalhando muito e se constitui a partir da beleza; e o que existe além disso? Isso nos leva a uma reflexão mais ampla: “O autocuidado não pode ser confundido com um resgate de algo que já foi vivido e que está no seu passado. Esse esforço em recuperar um tempo que já passou pode impedir de viver o seu tempo atual”, como foi dito por Maria Fernanda Cândido em entrevista recente. A busca pela juventude eterna, pela versão perfeita de si mesma, pode ser um obstáculo à aceitação do agora, ao presente que nos pertence. Sue, a sua versão jovem, repete o que Elisabeth teria feito na sua juventude?


A dualidade entre Elisabeth e Sue é mais do que um conflito interno; é a encarnação da constante luta de toda mulher contra o tempo e os padrões estéticos impostos pela sociedade. Sue, a versão jovem e desejada de Elisabeth, representa o que ela poderia ter sido, o que foi concedido à beleza e ao sucesso. Por outro lado, Elisabeth é uma mulher que, ao se confrontar com seu envelhecimento, se vê rejeitada, indesejada e isolada. O que a sustenta é uma alternância constante entre essas duas versões de si mesma, tentando encontrar um equilíbrio, que ao meu ver, impossível.


A relação de consumo da mulher, especialmente no que diz respeito ao corpo, é outro ponto crucial. Elisabeth não é mais vista como uma pessoa, mas como uma mercadoria. Sua beleza e juventude são consumidas como um produto, e ela se torna cada vez mais consciente de sua própria obsolescência. Como se sua vida, suas escolhas e sua identidade fossem construídas em torno de um reflexo vazio no espelho, uma busca incessante por um ideal inatingível.


O filme também evoca questões sobre o tempo e as versões que temos de nós mesmos. A sociedade nos força a escolher uma identidade, uma versão que seja consumível. Mas o que sobra quando essa identidade se desfaz? O envelhecimento em mulheres, muitas vezes visto como algo a ser evitado ou escondido, é tratado aqui de forma crua e honesta. Elisabeth, em sua obsessão pela juventude, acaba se alienando de si mesma. Como mulheres, precisamos nos perguntar: já começamos a consumir nossa versão velha? Já rompemos com o equilíbrio entre as versões que somos, as que fomos e as que seremos?


Neste contexto, o filme questiona a possibilidade de vivermos em harmonia com todas as nossas versões, aceitando o tempo, a fragilidade e as transformações que ele impõe. Como a personagem de Elisabeth, muitas de nós vivemos em um estado de alienação, tentando encontrar prazer no consumo e na busca incessante pela perfeição, enquanto negligenciamos nossa própria essência.

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